O Teletrabalho - Para além da gestão de pessoas, a lei
Neste mundo de up side down, em que tudo parece estar mudado, há temas que não mudam. Temas que não podem (não devem poder) mudar, mesmo em teletrabalho. Numa época de mudança com relações de liderança à distância deparamo-nos com um conjunto de desafios colocados aos intervenientes nessas relações e que devem, aquando da concretização específica dessas relações, ser ultrapassados principalmente pelos líderes/gestores ou meramente chefes superiores hierárquicos diretos ou indiretos.
Os líderes/gestores ou meramente chefes, quando não são owners da organização são figuras que representam os owners nas relações de liderança e por consequência devem ter presente, de modo preciso, o que podem ou não podem fazer no sentido de prosseguir os objetivos estratégicos da organização. Por maioria de razão os owners que se “representam a si mesmos” não podem invocar uma relação indireta com os liderados, apontando responsabilidades às figuras que os representam. Estes owners têm o dever de saber quais os desafios que esta era coloca e por isso o que podem ou não fazer e dentro de que limites.
Afinal de que desafios se trata?
Desde logo, o desafio central passa por conseguir elevar o nível das relações promovendo e desenvolvendo os meios relacionais potenciadores das chamadas relações interpessoais eficazes, assegurando relações que se baseiem no “bom trato”. Afinal de contas, este desafio estrutura um dos valores essências de um departamento de Recursos Humanos e desde sempre deveria ter estruturado também as relações de liderança mantidas entre liderados e líderes/gestores ou meramente chefes. Infelizmente, sabemos que não foi e não tem sido, assim. Contudo, e face a esta nova era, sabemos que não pode continuar a ser assim. É um dado genericamente adquirido que agora, mais do que nunca, as relações de liderança/gestão/chefia têm que mudar para melhor, caminhando em direção ao “bom trato”.
Se não houvesse outra razão para a supramencionada mudança em direção ao “bom trato”, então invocaríamos o novo artigo 127º do Código do Trabalho (em vigor desde 1 de Outubro de 2019)! E o que estatui esta disposição? Resposta basilar: se os líderes/gestores ou meros chefes não tratarem bem (leia-se com a máxima assertividade) os seus liderados então estão, face ao Código do Trabalho, a violar um dos deveres nucleares do empregador. Fica por isso à atenção dos superiores hierárquicos diretos a necessidade de controlar a tentação de comunicar de modo agressivo com os liderados.
Acresce que, à distância o desafio se torna maior!
Outro desafio consiste no evitar a tentação por parte de quem lidera/gere ou chefia em exigir mais do que o devido aos teletrabalhadores. De facto os superiores hierárquicos podem cair na tentação de cometer um erro de simpatia relativamente aos seus subordinados. E que erro é esse? Podem achar que, pelo facto de os teletrabalhadores estarem no conforto do lar devem estar sempre disponíveis e com a prontidão devida para responder a qualquer solicitação e a qualquer hora. Afinal, todos têm que “dizer presente” para salvar a empresa! Além do mais “não têm que investir tempo nas deslocações na ida para o local de trabalho e no regresso a casa”. Estes superiores hierárquicos devem conter-se, pois caso não o façam, estarão, mais uma vez, a violar o Código do Trabalho, ao colocarem em causa o estatuído no n.º 1 do artigo 169.º que exige que o empregador deve respeitar os “limites do período normal de trabalho”.
Por fim o princípio da igualdade de tratamento no trabalho coloca o próximo desafio a todos os “superiores hierárquicos” quando exige que os teletrabalhadores devem ser tratados de modo integralmente igual a todos os outros trabalhadores. Ora, a distância do “longe da vista” e o considerar que o teletrabalhador é um privilegiado por beneficiar do conforto do lar, pode fazer com que os “superiores hierárquicos” caiam em tentação de tratar de modo menos cuidado os teletrabalhadores. Caso o façam esses superiores hierárquicos estarão a violar o n.º 1 do artigo 169.º do Código do Trabalho.
Ao acima referido, acresce por imposição da mesma disposição, a necessidade de assegurar a todos os teletrabalhadores o mesmo número de horas de formação que são assegurados aos demais trabalhadores, bem como garantir que terão as mesmas oportunidades de progressão na carreira.
Em suma os líderes/gestores/chefes devem assegurar mudanças que lhes vão permitir liderar de modo mais eficaz à distância, promovendo, desde logo, a melhoria no estilo de comunicação e no assegurar da igualdade no tratamento. Caso não o façam estão a violar o Código do Trabalho e não apenas o que seriam as melhores práticas na Gestão de Recursos Humanos.