O que nos diferencia da IA? A necessidade do desenvolvimento de human skills
Irá a IA substituir o seu trabalho?
Esta pergunta tem gerado muita discussão (e pesquisa!) no mundo. Não sei se lhe acontece o mesmo, mas só de pensar nela, a mim, já me vem um turbilhão de argumentos. Mas vamos por partes!
É inegável que estamos a viver um desenvolvimento acelerado de tecnologias, em especial a Inteligência Artificial, que gera tanto entusiasmo quanto receio.
Tenho lido bastante a respeito deste tema e da sua relação com a liderança, vários estudos recentes apontam numa direção bem interessante: a IA não vai substituir as qualidades essencialmente humanas.Entre elas, competências emocionais, sociais, interpessoais e até pensamento crítico e tomada de decisão.
Mas no contexto de um desenvolvimento tão rápido de tecnologia, estamos a acelerar o suficiente o desenvolvimento dessas human skillsque nos diferenciam?
Neste artigo, quero convidá-lo a fazer algumas reflexões sobre o que nos diferencia da IA e a importância de olharmos para isso de forma mais intencional. Afinal, o futuro é construído por nós, certo?
A IA faz tudo, não é?
De facto, é impressionante o tanto de aplicações e funções que os vários tipos de IA têm hoje.
E cada dia surge uma nova para nos deixar de boca aberta e impressionados. Claro que ainda há muita coisa em desenvolvimento e teste, mas o mar de possibilidades tem se expandido consideravelmente. É até difícil acompanhar tudo isso e não sentir o famoso FOMO (Fear of Missing Out).
Felizmente, não precisamos saber tudo, mas com certeza precisamos de acrescentar a IA na nossa caixinha de ferramentas do dia a dia.
Quem ainda não percebeu isso, precisa urgentemente de o fazer, afinal esta é, hoje, uma das grandes tendências faladas e pesquisadas incessantemente. Não, não é só um hype que vai passar.
Não vou me atrever a enumerar todos os apectos em que a IA nos pode ajudar, seja no dia a dia, seja num olhar organizacional mais amplo. Mas queria destacar aqui alguns dados que vi recentemente num artigo da Harvard Business Review que me chamaram atenção:
- 65% das pessoas estavam de “um pouco” a “completamente” confiantes na capacidade da IA de desenvolver uma estratégia;
- participantes da pesquisa relataram estar confortáveis com o facto de a IA desempenhar um papel na análise de seu desempenho e na otimização de ações e decisões: 43% “concordam” ou “concordam totalmente” e 23% são “neutros” em relação a esse tópico;
- 45% das pessoas indicaram que se sentem de “um pouco” a “extremamente” à vontade para receber feedback de desempenho orientado por IA, desde que seja positivo.
A cada dia, as pessoas estão mais confortáveis com o uso da IA, até para tópicos complexos como estratégia, análise de desempenho, otimização de decisões e feedbacks (positivos!).
Mas as pessoas estão confortáveis em usar a IA para tudo? A IA é melhor em tudo?
Calma, há uma luz no final do túnel!
O que nos diferencia? Sermos humanos (sim, isso é uma grande vantagem!)
Nesse mesmo artigo da Harvard Business Review, temos dados ainda mais interessantes:
- a pesquisa constatou que as pessoas têm pouca confiança de que a IA possa entender o comportamento humano no trabalho melhor do que líderes (57% não confiam e 22% são neutros);
- 60% das pessoas entrevistadas estão preocupadas com a possibilidade da IA analisar e aproveitar as emoções dos funcionários para tomar decisões;
- apenas 25% das pessoas entrevistadas sentir-se-ião de “um pouco” a “extremamente” à vontade para receber feedback negativo sobre o desempenho no trabalho se ele fosse gerado pela IA. 55% sentir-se-ião de “um pouco” a “extremamente” desconfortáveis.
Um outro artigo recente da McKinsey concluiu que grandes utilizadores e criadores da IA generativa sentem que precisam de habilidades cognitivas e socioemocionais de alto nível para realizar seu trabalho, mais do que precisam desenvolver habilidades tecnológicas.
Ou seja, cada vez mais as competências centradas no ser humano tornar-se-ão mais e mais importantes.
E isso relaciona-se com outras grandes tendências no mundo do trabalho. Destaco aqui duas importantíssimas: Diversidade & Inclusão e Saúde Mental e Bem-estar.
Existem, por exemplo, grandes discussões sobre a falta de diversidade das pessoas que têm desenvolvido (e ditado o desenvolvimento de) IA e como isso impacta nas respostas e soluções geradas por ela.
Dan Porto, sócio-diretor da Crescimentum, falou um pouco sobre isso ao voltar do SXSW no nosso “Manhã com RH”, mostrando também a foto dos nossos “Tech Messias” e a falta de diversidade entre eles.
E como estamos a usar essa tecnologia no dia a dia? Estamos a considerar esse viés pouco diverso que ela apresenta? Que escolhas estamos a fazer? Escolhas centradas no que é mais fácil, rápido, produtivo ou escolhas centradas no ser humano?
Eu acho que a IA não será a resposta para tudo e que entender a complexidade humana ainda está além dessa tecnologia.
E quando precisamos de lidar com questões de saúde mental no trabalho? Quando uma pessoa talvez não esteja no seu melhor estado de bem-estar, mas temos uma entrega a cumprir? E quando precisamos de ter conversas corajosas com pessoas que praticaram microagressões relativamente a grupos minorizados?
Como lidar quando existem conflitos entre pessoas da equipa e elas não se dão bem? E quando as pessoas não conseguem estar envolvidas no trabalho e, portanto, não alcançamos os resultados esperados?
São infinitas as situações de liderança que exigem uma tecnologia diferente: a tecnologia HUMANA. As emoções, as relações, as conexões, a diversidade e inclusão, a saúde mental, o subjetivo… e quanto nós praticamos ativamente isso no dia a dia?
Ser humano todo a gente sabe, não é? Lidar com outros seres humanos, também?
Pessoalmente, acho que ambos são difíceis e nada óbvios. O ser humano é bastante complexo e, como engenheira, achei que seria mais fácil desvendar como nós funcionamos.
Afinal, somos feitos de padrões e processos internos, se fossemos capazes de colocar uma fórmula nisto tudo…
A questão é que somos seres muito únicos e cada um tem uma maneira de interpretar os milhões de estímulos que recebemos no dia a dia. E feliz ou infelizmente, nós não somos capazes de controlar isso.
Ainda assim, existem muitos estudos, ferramentas, práticas, metodologias que modelam partes do nosso comportamento humano. E para quê aprender isso tudo? Se o argumento de que isso nos diferencia da IA não foi suficiente, então aqui vão mais alguns: para lidar melhor com pessoas e para termos mais bem-estar.
Quem nunca ficou a remoer conversas, a pensar em como poderia ter feito algo de forma diferente, falado de modo diferente… ou até se culpou por como as coisas foram sentidas por outra pessoa? Seja nas organizações, seja na vida, com certeza que desenvolver essas human skills ajuda muito.
Mas afinal, quais são essas human skills?
Há umagama de possibilidades, mas vou ater-me aqui aos 3 grandes pilares que no Grupo Cegos usamos para dividi-las:
- Desenvolvimento pessoal: competências como autoconhecimento, autogestão, autoconsciência, inteligência emocional, autenticidade, antifragilidade… tudo o que tem a ver com desenvolver conhecimento e gestão de si mesma(o).
- Trabalho em equipa: competências que fazem tê-lo relacionamentos melhores com as pessoas em seu redor, como: empatia, escuta ativa, confiança, comunicação não-violenta, diversidade & inclusão, etc..
- Liderança: competências que fazem-no protagonizar uma liderança mais humana, como feedback e conversas de desenvolvimento, empoderamento, mentoring, segurança psicológica, saúde mental no trabalho, etc..
A tecnologia tem acelerado o seu desenvolvimento e promete não parar, mas até que ponto estamos a estagnar no nosso desenvolvimento de competências que são essencialmente humanas e que nos vão diferenciar no futuro? Pessoas querem ser lideradas por pessoas. Que não nos deixemos transformar em máquinas então!
Não se trata de usar ou não IA: para cada situação, escolha a ferramenta mais adequada (e, por vezes, essa ferramenta pode ser você mesmo!)
É inegável que a tecnologia tem proporcionado ganhos crescentes em produtividade e eficiência. Mas a minha reflexão mais recente é o quanto estamos enfeitiçados pela busca incessante da produtividade instantânea e o quanto estamos a olhar para a sustentabilidade futura.
Explico-me: é muito fácil fazer uso da IA hoje e ganhar produtividade individual, mas a longo prazo, quais são as implicações disso?
Um estudo da BCG que olhou para os ganhos da IA relacionados com a criatividade e inovação concluiu que, ao contrário do que algumas pessoas pensam, o poder da IA em alavancar a criatividade humana é bastante elevado… quando se olha individualmente.
Pois é, o estudo mostra que o resultado relativamente uniforme da tecnologia pode reduzir a diversidade de pensamento de um grupo em 41%.
Também existem vários estudos sobre como de facto esta tecnologia vai afetar a produtividade a longo prazo, mas ninguém tem bem uma resposta e até ouso dizer que esse futuro é bastante difícil de prever.
Então, quando é que usar uma IA é a melhor opção? Quando é que usar o seu lado humano e as suas human skill é a melhor medida? Por hora, eu usaria a dica da Harvard Business Review, faça a si mesma(o) duas perguntas:
- A situação depende de conhecimento, pensamento racional ou análise?
- A situação exige qualidades sociais, emocionais ou interpessoais?
As lideranças vão precisar, a cada dia, de dominar mais os varios tipos de IA, mas também terão que demonstrar cada vez mais um estilo de liderança centrada no ser humano, pois só assim conseguirão olhar para a sustentabilidade dos seus resultados a longo prazo.
São essas as lideranças que serão capazes de atrair, reter, desenvolver e motivar os melhores talentos.
Então, quanto tempo tem dedicado a desenvolver as suas human skills? E quanto tempo se tem dedicado a aprender sobre novas tecnologias?
Arrisco dizer que a balança anda desequilibrada, por estes dias até vi um artigo que falava sobre como a engenharia de prompt poderia ajudar a melhorar a comunicação com pessoas.
Não é engraçado como nos temos dedicado a dar a instrução mais detalhada possível para a IA e quando vamos delegar ou pedir algo a alguém falhamos a dar a mesma quantidade de detalhes, afinal “para bom entendedor meia palavra basta”?
Precisamos de voltar a equilibrar esta balança. É sobre saber utilizar a IA, mas também é sobre entendermos mais de seres humanos.
Portanto, fica a reflexão: como poderia usar a IA hoje de forma a libertar o seu tempo para fazer o trabalho mais humano?
Por Larissa Takayama, Coordenadora de Inovação na Crescimentum